De Salvador González García, mi padre, al Sacromonte ¡Ay! Sacromonte gitano, vecino del Albaicín, no sé cuál será tu fin. Pues por mucho que me afano no consigo descubrir quién pueda darte su mano. En noches de primavera, desde la Alhambra dormida, oigo extinguirse tu vida. Y mezclarse en la ladera llantos de gitanas finas con palmas de revoleras. De la guitarra el lamento y la hiriente soleá dan muestras de tu orfandad. ¡Ay!, qué enorme sentimiento, ¡quién te pudiera salvar de ese final que presiento!
Eu vou sonhando caminhos Estes caminhos sonheiros das tardinhas. As douradas colinas, verdes pinheiros, azinheiras empoeiradas!... Para onde o caminho irá? Eu, cantando e caminhante na trilhada vou adiante... -A tardinha caindo está!- “No meu coração eu tive o espinho duma paixão; tirei-o, porém não vive sem espinho, o coração.” E todo o campo um momento se fica mudo e sombrio meditando, soa o vento nos choupos, perto do rio. A tardinha fica escura e o caminho serpenteia, e debilmente branqueia, e se perde nessa altura. Canto, e volto a prantear: “Espinho d’ouro afiado, quem te pudesse notar lá no coração, cravado!” António Machado (1875-1939) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador Gonzalez Moles e Geny Pereira.
Ontem à noite dormia Ontem à noite dormia, sonhei, bendita ilusão!, que uma fontana fluía dentro do meu coração. Diga, em que vala escondida, água, tu vens até mim, manancial de nova vida, onde a beber nunca vim? Ontem à noite dormia, sonhei, bendita ilusão!, porque uma colmeia havia dentro do meu coração; e as douradas abelhas cumpriram um bom papel, ao fazer com dores velhas, branca cera e doce mel. Ontem à noite dormia, sonhei, bendita ilusão!, que um ardente sol luzia dentro do meu coração. Era ardente porque dava cores de vermelho lar, o sol porque iluminava, porque fazia chorar. Ontem à noite dormia, sonhei, bendita ilusão!, que era Deus o quem vivia dentro do meu coração. António Machado (1875-1939) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Lembranças da infância Uma tarde escura e fria do inverno. Os colegiais estudam. Monotonia da chuva pelos cristais. Lá num cartaz de papel retratados são Caim fugitivo, morto Abel numa mancha cor carmim. Com voz de sino alto e oco, velho, o mestre é trovão, magro, mal vestido, um bloco e um livro leva na mão. Toda a coral infantil está cantando a lição: mil vezes cem é cem mil, mil vezes mil, um milhão. Uma tarde escura e fria do inverno. Os colegiais estudam. Monotonia da chuva pelos cristais. António Machado (1875-1939) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
A cigarra Cante cigarra sua estrofe quente, a mosca dance o ritmo do seu canto, se enrosca sob sarçal uma serpente e as videiras estendem verde manto. As heras vão subtis em ascendente tal qual cortina esplêndida, entretanto que lembra a fonte rude e sorridente, e o branco e fresco muro do recanto. Não permita às asas a fadiga, canta do campo o seu frutado gosto, cheia de sol e do trabalho amiga. Cantora excita ao inflamado agosto para dar grão de cada loira espiga e o jato turvo dum ardente mosto. Salvador Rueda (1857-1933) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira. La cigarra Canta tu estrofa, cálida cigarra, y baile al son de tu cantar la mosca, que ya la sierpe en el zarzal se enrosca y lacia extiende su verdor la parra. Desde la yedra que a la vid se agarra y en su cortina espléndida te embosca, recuerda el caño de la fuente tosca y el fresco muro de la limpia jarra. No consientan tus élitros fatiga, canta del campo el productivo costo, ebria de sol y del trabajo amiga. Canta y excita al inflamado agosto a dar el grano de la rubia espiga y el chorro turbio del ardiente mosto. Salvador Rueda. (1857-1933)
A melancia Tal qual se abrisse de repente o dia emitindo uma intensa lumeirada que pelo aço afiado foi rasgada mostrou vermelha a carne a melancia. Carmim incandescente parecia a longa e deslumbrante navalhada como boca de fogo, e liberada, fresca e torrencial, a hemorragia. Fatia trás fatia foi então caindo, que a faca devagar foi dividindo vivas para ilusão todas tão cruas. Quando a mão separou cada segmento foi o prato decorado num momento dum círculo de sangue em meias luas. Salvador Rueda (1857-1933) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Explicando uma tarde Anatomia Explicando uma tarde Anatomia um sábio professor do coração dava aos seus alunos perfeita descrição. Atordoado à causa das tristezas a cátedra deixou; com risco de ser tido como louco com alterada voz: Dizem, senhores, ele exclamou pálido, ninguém nunca tentou viver sem essa víscera preciosa. Erro, em crasso erro estão! Um ser tão do meu ser, a minha filha, ontem me abandonou; as filhas que aos pais abandonam já não têm coração! Lá, um aluno dessa sala escura, no fundo murmurou, enquanto os outros, espantados, ouvem tanta pública dor, sorrindo pra um colega que era amigo baixando a sua voz: Pensa, à filha o coração lhe falta... quando tenho-o eu só! Eusebio Blasco (1844-1903) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Os sinos Eu as amo, eu as ouço, como o murmúrio do vento, tal qual ouço o som da fonte, e o balido do cordeiro. Como os passarinhos, eles, quando aparece nos céus do amanhecer um só raio, cumprimentam com seus ecos. E com prolongadas notas espalham seu som sincero, nas planícies, nas colinas, pacífico e lisonjeiro. Si eles calaram pra sempre... Quão tristes ventos e céus! Quanto silêncio na igreja, esquisito a quem morreu! Rosalía de Castro (1837-1885) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Outubro Deitado estava eu na terra em frente dos infinitos campos de Castela, naquele outono envolto na amarela doçura de seu claro sol poente. O arado em paralelo, lentamente, deixava no terreno a sua estela e as honestas mãos colocavam nela, partida, na sua entranha, a semente. Pensei o meu coração lá me arrancar, cheio dum sentimento alto e profundo, no sulco atirar do terroir terno, a ver se com parti-lo e com plantar mostrava a primavera pelo mundo a pura árvore do amor eterno. Juan Ramón Jiménez (1881-1958) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Soneto à Lua A Lua enquanto dormes te acompanha, te ilumina o cabelo se está à frente, e depois do semblante, lentamente, ao seio vai e suas cumbres banha. Eu, Lesbia, no umbral de sua entranha não durmo, choro e rogo inutilmente, e o curso dessa Lua reluzente ditoso hei-de seguir se o amor amanha. Hei-de entrar, tal qual Lua, no aposento, vou andar onde repousas tal qual dela e vou-me tal qual dela aproximar. Tal qual dela vou aspirar o seu alento, e, tal qual essa deusa branca e bela, puro, trémulo e mudo me apartar. José Somoza (1781-1852) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Apegado a mim Cotão do meu mesmo seio que nas entranhas teci, cotãozinho friorento, vem, dorme apegado a mim! A perdiz dorme no trevo, vai sua batida a ouvir. Não se perturbe do alento, vem, dorme apegado a mim! Tremente erva esverdeada, se do assombro vive assim, não se solte do meu peito: vem, dorme apegado a mim! Eu tudo tenho perdido, tremo agora ao dormir. Não se escorra do meu braço: vem, dorme apegado a mim! Gabriela Mistral (Lucila Godoy Alcoyaga) (1889-1957) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Balanço O mar, suas milhares ondas balança divino. Ouvindo amorosos os mares, balanço meu filho. Errantes os ventos na noite balançam aos trigos. Eu ouço amorosos os ventos, balanço meu filho. Deus pai, aos seus milhares mundos balança sem ruído. Sentindo suas mãos na sombra, balanço meu filho. Gabriela Mistral (Lucila Godoy Alcoyaga) (1889-1957) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles e Geny Pereira.
Fanatismo Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver ! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida ! Não vejo nada assim enlouquecida ... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida ! "Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..." Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros : "Ah ! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus : Princípio e Fim! ..." ~•~•~•~•~•~•~•~•~••~•~•~•~•~•~•~•~•~ Fanatismo Mi alma de soñarte anda perdida. ¡Mis ojos ya de verte no han de ver! ¡Ni eres la razón para mi ser por ser ya para mí toda mi vida! No veo nada así de enloquecida... ¡Voy por el mundo, Amor, para leer del libro misterioso de tu haber la misma historia tan y tan leída! Todo pasa en el mundo en frágil vaso... ¡Cuando me dicen esto, será acaso que una gracia divina me habla en mí! Con mis ojos en ti voy dando pistas: ¡Mueran mundos o estrellas, con que existas, tendré el principio y fin de Dios en ti!... Florbela Espanca Nasceu a 08 Dezembro 1894 (Vila Viçosa) Morreu em 08 Dezembro 1930 (Matosinhos) Tradução e adaptação do poema original em português Salvador González Moles e Geny Pereira.
Romance do Douro Rio Douro, rio Douro ninguém pra te acompanhar baixa: ninguém se detém pra ouvir tua eterna estrofe de água. Indiferente ou covarde volta a cidade a mirada. Não quer ver no teu espelho sua muralha desdentada. Tu, velho Douro, sorris entre tuas barbas de prata, moendo com seus romances as colheitas desgraçadas. E entre os santos de pedra e as alamedas mágicas passas levando nas ondas palavras de amor, palavras. Quem pudesse, tal qual tu, quieto deixar as pegadas, cantar sempre o mesmo verso mas com diferente água. Rio Douro, rio Douro, ao teu lado ninguém baixa, já ninguém quer atender tua eterna estrofe que passa, se não os apaixonados que perguntam por suas almas e semeiam nas espumas palavras de amor, palavras. Gerardo Diego (1896-1986) Tradução e adaptação do poema original em espanhol, Salvador González Moles y Geny Pereira.
Oh grande entre los grandes Oh grande entre los grandes de la altura que asciendes como el ave en dulce vuelo huyendo del jardín y la clausura que guarda tu enraizado y noble anhelo. Oh guardia verdinegro, tu armadura se confunde en el césped que en el suelo te alfombra con fresquísima verdura y alimenta en lo oculto de su celo. Oh siempre vertical, solo y presente, continuo como el canto en el espacio, del claustro ensoñación reverberante. Oh salmodia que al viento impenitente resuenas en el cielo azul topacio; ¡oh fiel recuerdo de mi fe distante! El sueño del ciprés Un ciprés entre piedras se devana y rebasa las cumbres del tejado, batallando en el viento, cimbreado, en una guerra que ninguno gana. Inmóvil tiende sobre la besana la sombra junto al surco del arado que salta la clausura del cuadrado en huida solitaria siempre vana. Entretanto en la altura se desliza y se clava su copa en lo celeste la vista sobre él se cristaliza. Verdinegro soldado de lo agreste que otra ronda en un sueño realiza del Norte al Sur, del Este hacia el Oeste.